quinta-feira, agosto 31, 2006


1.
A questão da cultura às vezes é atordoante.
Digo "cultura" algo amplo, que envolva modos de ser, costumes, representações, imaginários, instituições, leis, linguagens, mitologias.
Mas algo que esteja profundamente intrincado às relações sócio-econômicas. Uma cultura que, de fato, confunde-se com o modo de produção característico de dada sociedade.
Uma cultura que perpassa e derruba a metáfora reducionista da "base" e da "superestrutura", a primeira determinando a segunda.
Parece-me claro que tais fronteiras são esgarçadas, os laços entre as diversas esferas -- "econômico", "político", "social", "cultural" -- são bastante enredados.
Certo é que, para entender o ser humano dentro de determinada configuração social, devemos ter em mente a relação de forças contraditórias, a luta de classes ensejando e sendo atravessada pelas questões de cultura.
Entender o ser humano em dada sociedade é uma questão de antropologia social. Um estudo cultural que se detenha também no sentido diacrônico, no sentido histórico.
Não há cultura sem história. E não há história, até agora, sem luta de classes.
2.
Quando Carlos Castaneda recebe os ensinamentos do brujo Don Juan, parece que toda a sua carga cultural do ocidente o deixa um tanto "inapto" a se tornar um brujo, no significado concreto daquela experiência para um índio yaqui.
Ao mesmo tempo, parece-me que há uma certa universalidade da espécie, ao pensar nos efeitos dos "aliados": a "erva do diabo", o "humito". Ou o contato com "mescalito" (o peiote).
A bioquímica contemporânea pode interpretar satisfatoriamente as reações das plantas alucinógenas na mente do ser humano. Mas a resposta simbólica a tal experiência química é uma questão que vai depender do meio sócio-cultural.
3.
A pesquisa de campo de Castaneda e sua experiência como aprendiz de um xamã yaqui deveriam nos abrir determinadas portas da percepção... sem precisarmos lançar mão dos alucinógenos.
Deveriam, pelo menos, abrir uma primeira janela para vermos que, na lógica da cultura hegemônica do capitalismo, o ser humano está cada vez mais se desprendendo do "cuidado de si", um cuidado que deve estar conjugado a uma relação harmônica com o meio social e o meio natural.
A lógica de algumas dessas culturas que ainda resistem deveria fornecer determinados subsídios a uma proposta de sociedade alternativa, uma saída do quadro de crônica miséria e devastação ambiental.
4.
Se a revolução deve mudar as estruturas sociais, ela também deve implodir as estruturas do indivíduo moldado pela sociedade do consumo, da competição, do poder, da intolerância, do moralismo, da violência.
O indivíduo deve respirar, quebrar a casca de alienação que envolve o seu ser. Deve revolucionar-se no mesmo instante em que revoluciona a política, a economia, as relações sociais.
Deve travar um diálogo com a natureza com o mesmo respeito com que trava o sábio Don Juan.
A experiência de culturas soterradas pelos valores do ocidente deveria até mesmo nos depertar para a questão da liberdade de uso de substâncias alteradoras do "estado-padrão" de consciência.
Até que ponto o coletivo poderia, numa sociedade justa, intervir na opção pessoal? Quando a comunidade deveria se mobilizar para combater excessos? Que significados, afinal, daríamos a tais substâncias, que fazem parte da história da humanidade há muitos séculos?
5.
Desafios atordoantes, como disse no início.
As alternativas de esquerda gestadas em nossa sociedade tendem à universalização. Algumas querem impor tal universalização de modo autoritário, de cima.
Parece-me que há, realmente, inevitáveis valores "universais" -- historicamente determinados. Valores ligados à vida, ao amor, a Eros; mais do que à morte, à destruição, à Thanatos. Valores que perpassam diveras culturas.
Como aceitar, por exemplo, a exploração entre seres humanos, os atos violentos e os atentados a vidas alheias em nome de "normas culturais"?
Ou, então, como não gritar contra culturas que querem se impor violentamente, que querem rebaixar etnias ou grupos sociais?
6.
Abaixo fascismos, imperialismos, hierarquias, ditaduras... de qualquer cultura.

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sexta-feira, agosto 25, 2006



meus olhos fisgaram o peixe que voava,
azul.


meus calos calaram diante da estrada que corria,

em baixo dos pés.

meus dias raiaram roxos de tanto dizer noite,
em manhãs de sol.


e ainda assim havia rodas gigantes diante do meu ser.


(da série "nada a dizer em quatro frases", parte I)

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segunda-feira, agosto 21, 2006

((//>>noite quente de fevereiro<<\\)) Esqueceu o isqueiro do lado direito da cama de quarto de hotel de centro da cidade meia-noite. Apertou os cintos da consciência quando foi jogado num redemoinho de náuseas sorridentes. Peidou três vezes, e três vezes praguejou o controle remoto pifado da televisão estilo anos 80. Coçou pesadamente o saco achatado em cueca de promoção pague duas leve três. Emitiu um caloroso grunhido para si mesmo parabenizando-se por mais um ano de existência irônica. Deu mais um gole na imensidão translúcida de um copo matizado de dourado conhaque. No espelho viu os olhos de um velho sozinho numa noite quente de fevereiro. Fechou os olhos e se lembrou de que era um herói da cidade grande. Um anônimo e solitário chapado.

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terça-feira, agosto 15, 2006



e de repente ele estava à deriva,

à beira do canal que separava a ilha do continente,

num barco pifado, comandado por um boliviano,

pensando na contradição de ter um boliviano no comando

(algúem que nasceu num país que não tem saída para o mar).

um certo desespero iminente, confirmado mais tarde por nuvens negras no horizonte,

relâmpagos singrando e a imagem de uma tempestade à espreita, mar grosso, a inevitável virada...

ainda assim aquele pôr do sol,

a silueta da ilha ao fundo,

a mente parada no tranqüilo e silencioso nada.

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e de repente ele lembra disso ao ouvir o som de John Frusciante.

melodias praieiras,

californianas

(mas serviriam para qualquer litoral),

pôr do sol...

(boa trilha para aquele pôr do sol à deriva).

guitarras econômicas (no sentido de não precisar ser uma espalhafatice tipo "guitar heroe").

efeitos inteligentemente aplicados.

temperos eletrônicos que não tiram o sabor anos 60/70.

riffs que exalam tristeza poética.

(talvez a tristeza retrospectiva de quem se afundou na heroína, perambulou pelas ruas...

...mas sobreviveu).

pô... mandou.


http://www.johnfrusciante.com
(site que disponibiliza alguns sons...)


http://pt.wikipedia.org/wiki/John_Frusciante

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quinta-feira, agosto 10, 2006


2º Seminário de História do Anarquismo no Brasil: 100 anos do I Congresso Operário Brasileiro (COB)


# Lançamento do Livro História do Anarquismo no Brasil (Vol. 1) - EDUFF/MAUAD
24 de agosto / 2006 - 10 às 18 hs
local: Biblioteca Nacional / Centro, Rio-RJ
Auditório da Rua México, s/n (entrada pelo jardim)



10 - 13 hs - Tema: Movimento Operário na Primeira República

Coordenador da Mesa: Carlos Augusto Addor (UFF)

Palestrantes:

- Eduardo Valadares (PUC - SP) - A formação do 1º COB e da Confederação Operária Brasileira;

- Milton Lopes (FARJ) - A imprensa operária: A Voz do Trabalhador;

- Sérgio Mesquita (FEUDUC) - As celebrações do 1º de Maio no Brasil;

DEBATE

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14:30 - 15 hs - Lançamento do livro História do Anarquismo no Brasil (Vol. 1) - EdUFF & Mauad

Rafael Borges Deminicis
Daniel Aarão Reis Filho

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15 - 18 hs - Tema: Sindicalismo Autônomo e atualidade

Coordenador da Mesa: Orlando de Barros (UERJ)

Palestrantes:

- Alexandre Samis (UFF) - Sindicalismo até os anos 30;

- Vito Giannotti (NPC) - Sindicalismo a partir dos anos 80 e conjuntura atual;

- Luis Tavares (FARJ) - Militância sincical - a CUT dos primeiros anos até os sindicatos dos dias de hoje;

DEBATE e ENCERRAMENTO

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Participe!

Divulgue!

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segunda-feira, agosto 07, 2006

Confuso demais para sentir o destino se rastejando numa poça dágua escura, roto arame farpado de coisas quentes sóbrias cobras na paciência mórbida do meu tempo, só meu?, não sei, mas sim pode ser, e tudo, sintetizado num de repente, desaba no meio do vaso, sem que o dia jure algo além de lágrimas, lástimas, populares sem lares, olhares, milhares, e sem saída vou seguindo até a porta mais próxima, onde me deparo com o rápido sangue da vida que orgia pra lá e pra cá, sem cair, sem descompassar, e vive vivendo a noite temendo a morte, mas respirando e se esfacelando na única desculpa viável diante da incrível seqüência dos fatos: viver.

(tentativa de escrita automática – noite de segunda)


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quinta-feira, agosto 03, 2006



- olha... olha o louco. zunindo no ar. bradando sem parar. nadando rio acima, contra a corrente. no meio da gente que passa, que olha, que continua, que obedece, que empalidece, mas se emudece, se amortece. olha o louco sorrindo na luta, agindo no sonho. soltando panfleto, colando cartaz, desobedecendo, saindo às ruas, enfrentando o choque, zunindo o molotov, escancarando as mentiras, xerocando o fanzine, injetando vírus de contra-informação...

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- o louco tá rindo de quê? parece querer o que todos dizem não ser possível, parece querer semear sêmens de esperança num esterco de cínicas descrenças, parece querer ser o que quer ser. não vê que a história acabou? que esse papo tá fora de moda? que a onda agora é uma só? que tem que se adaptar aos novos tempos?

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- mas ainda assim eu olho o louco, e me sinto rouco, me sinto pouco, quase nada, a mover-me e olhar para o louco com desprezo. afinal, me dizem todos que é louco. nunca parei pra falar com o louco, nem quero ouvir o louco. não dizem que o que diz é loucura? e por que, afinal de contas, eu iria contra a maré, contra o que dizem lá os que parecem saber mais do que eu?

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- engraçado que chego em casa e me vejo torto, absorto, na normalidade normativamente normalizada... mortalmente mortalizável. e olho pro espelho e não vejo um louco, vejo um cidadão responsável, pagador de impostos, ciente de que faz tudo para que as engrenagens estejam sempre bem lubrificadas. vejo um eminente cidadão, que se indigna, não gosta de ver as mazelas... mas fazer o quê? reclamar que nem um louco?

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- pelo menos vejo no espelho um rosto que se destacou dos miseráveis... venceu a competição pelo lugar ao sol. e sou normal, tenho família, dou meu suor pela empresa, sou temente a deus, dou o dízimo, ligo pro criança esperança... faço minha parte... o mundo vai melhorar assim... sem radicalismos, com civilização, com cultura elevada, com mercados abertos e dinâmicos. todos terão oportunidades iguais... caso se dê mal, meu irmão, se qualifique, se vire, corra atrás, seja mais competitivo. você teve todas as chances...

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- mas vejo que a vida é cada dia pior, cada dia me esgarço mais num não-sei-o-quê sem sentido, pra sobreviver, pra gozar o efêmero prazer de um instante vazio. pra perceber que nas minhas veias correm tédio e medo.

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- e de repente me vêm imagens loucas. vejo tudo isso que parece estar errado. e o cheiro de pobre que agora chega bem perto. a pobreza que escala o morro no fundo do prédio. do meu prédio! e o cheiro de sangue e pólvora. e o que eu tenho com isso? o que eu faço por isso? por que deixaram essa gente brotar aqui? não pago meus impostos para manter a cidade limpa? que desagrádavel mal estar... e ainda aguentar loucos reclamando. radicais!

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- eu não reclamo... só voto. e espero que os políticos façam alguma coisa, construam mais penitenciárias, mais febens, botem mais caveirões na rua... qualquer coisa pra tirar essa gente daqui. pra calar a boca desse louco que grita, que como uma mosca incômoda me olha nos olhos e diz que eu tenho que gritar também, exigir. pra quê? vai mudar alguma coisa? eu pago impostos! não estou aqui pra reclamar... eles que façam... afinal, ganham bastante pra isso, são profissionais no assunto, são especialistas. não reclamo, voto! os políticos que resolvam... só que demoram demais... já podiam ter tirado essa gente miserável daqui... e também esse louco que ri... do que ri?

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- será que ri de mim?

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