sexta-feira, junho 09, 2006



1.

É curioso notar a ouriçada reação veiculada na mídia corporativa diante dos “excessos” dos movimentos sociais.

Entre os comentários e críticas, desfilam frases e conceitos esvaziados de qualquer contextualização.

“Inadmissíveis ataques ao patrimônio público”, “invasões”, “vandalismo”, “quebra das regras democráticas”...

Não conheço bem o grupo que tocou o terror no congresso recentemente. O histórico de alguns integrantes, de acordo com o que foi publicado nos jornais, sugere a velha paranóia pela vanguarda da esquerda de inspiração leninista.

A ligação de um dos caras com o PT e o recebimento de grana do governo já dão pistas de que pode ser arriscado depositar credibilidade nesse movimento.

Mas não me interessa falar aqui do grupo. (Pode ser que muita gente boa esteja lá dentro... dividindo espaço com oportunistas, "líderes iluminados" e congêneres).


Na verdade quero chamar a atenção para a grita dos arautos da democracia liberal diante da iconoclastia de seus sagrados totens, não só nesse caso particular, mas em diversos outros.


2.

Os grandes jornais vomitam editoriais e entrevistam os especialistas “certos”, das universidades “certas”. Fontes viciadas.

Quando, por exemplo, os sem-teto invadem algum prédio abandonado há anos, sem uso social, logo o Estado e seus xamãs (políticos, advogados, jornalistas, sociólogos, historiadores, cientistas políticos...) rebolam freneticamente e clamam pela ação dos seus leões-de-chácara.

Em novembro de 2005, um grupo de sem-teto ocupou um prédio do INSS no centro do Rio, há anos abandonado. A Ocupação Quilombo das Guerreiras, como foi batizada, atraiu o circo de “agentes da polícia Federal, Judiciária, Militar e da inteligência da Polícia Civil, o CORE” (ver Protesta!, n.3, abril/2006).

Incrível aparato repressor para deter os “perigosíssimos” elementos... que incluíam mulheres, idosos e crianças.

Paralelamente, corria uma briga judicial.

Um juiz concede “interdito proibitório”, determinando a retirada dos leões-de-chácara do Estado – o que não teria sido aceito pelos representantes da “justiça”.

Mais tarde, outra liminar a favor dos ocupantes é ignorada.

“Alguns apoios externos são agredidos e recebem ordem de prisão, o advogado é agredido por um delegado da Polícia Federal, conduzido de forma criminosa e algemado [...]”.

Enquanto isso, a “justiça” concedia reintegração de posse do prédio à... “Justiça” Federal.


3.

O dono da bola sempre decide as regras. Desde que Cabral por cá meteu as botas.

E a propriedade é a bola da vez. Sempre foi o bibelô querido da burguesia liberal, desde a montagem do Estado-Nação moderno.

Liberdade, Igualdade e Fraternidade? Claro... palavras bonitas para enfeitar os textos liberais.

Quando agora quebraram o congresso, disseram os bons filhos das elites: “crime ao patrimônio público”.

Mas o que há de realmente público no congresso? Ele é aberto à participação de todos? Se eu for diretamente afetado por uma lei, posso ocupar uma de suas cadeiras e proclamar meu voto?

Ele é realmente do povo ou, na verdade, se estruturou como uma redoma bem arquitetada para que classes privilegiadas exerçam o jogo político com o mínimo de interferência possível?

Quando jogaram a pedra nos caros vidros do congresso não senti que depredavam um patrimônio meu (embora parte de meu dinheiro estivesse lá aplicada... a outra parte desviada para o bolso de algum parlamentar).


4.

O “Estado de direito” é o santinho no altar. A participação política deve-se operar nos “canais legais”. A polícia deve ser avisada quando houver manifestação de rua (!).

É engraçado como não tiveram a mínima preocupação quando puseram abaixo as casas da ocupação Sonho Real, em Goiás, tempos atrás. Ou em poupar vidas nos genocídios de militantes sem-terra. Ou quando, lá no início do século XX, o bota-abaixo de Pereira Passos expulsou a população pobre do centro do Rio, gerando um contingente de sem-lares que ainda hoje sub-habitam os morros e subúrbios.

O Estado decide o que é “liberdade”, o que é “democrático”, o que vale ser preservado, onde será o espaço da “política”.


5.

A ação extraparlamentar, como força constante de ameaça, sempre fez tremer os arquitetos da atual ordem. Leis são arrancadas ou banidas pela força das ruas.

Exemplos recentes: a questão da lei do primeiro emprego em Paris, o movimento pelo passe-livre em Florianópolis, a Outra Campanha dos zapatistas.

A mídia continuará a mistificação: vai chamá-los de “não civilizados”, “radicais”, “terroristas”, “atrasados”, “foras de moda”.

Mas os incômodos ratos da periferia roem a roupa do rei. Não há como esconder a verdade por tanto tempo. Ela flui pelos subterrâneos. Ela encontra eco na insatisfação popular contra partidos e políticos tradicionais.

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6 Comments:

Blogger A. Guerra said...

Fala, João. É o Alexandre, do Comitê. Como comentei com você, o mais engraçado desse caso todo, foi o "comunista" Aldo Rebelo, condenando o movimento por ter invadido o que ele diz ser a "casa do povo". Vê-se logo que esses partidos, que antigamente ainda representavam alguma coisa, estão agora completamente aderidos à ordem da democracia, inclusive dispostos a defendê-la. Até Marx se sentiria contrariado!
By the way, tu tens um estilo muito bom de escrita. Dá uma passada lá no meu blog - www.anarchia.blogspot.com Abraço!

6:31 PM  
Anonymous Anônimo said...

pois é, Alexandre.

rótulos, siglas, signos... tudo perde o sentido. ou melhor: as coisas ganham sentidos que esvaziam a crítica que, a princípio, traziam em si.

o "comunismo", que surge historicamente contrário à ordem estabelecida, tranformou-se hoje numa palavra sem a menor credibilidade, visto que 9 entre 10 dos que ainda se proclamam "comunistas" compõem partidos que há muito perderam a perspectiva de tranformação da sociedade (transformação que, de fato, Marx defendeu em seus escritos). pelo contrário: aqui no Brasil compõem uma frente com a patifaria histórica, em nome da "governabilidade", conseguindo ser mais eficientemente neoliberais que os fernandinhos anteriores (o colorido e o acadêmico).

dei uma passada no teu blog e gostei do que vi - na forma e no conteúdo. e concordo quando vc chama a atenção (no teu artigo de introdução) para a falta de sintonia de muitas viúvas do tal "socialismo real" frente à nova realidade .

e diante dos "pragmáticos de esquerda" só tenho uma coisa a dizer: sou razoável... desejo o "impossível".

abraço,

JH

5:39 AM  
Anonymous Anônimo said...

Só pra lembrar da Heloísa Helena, que também condenou a ocupação. Tá virando uma verdadeira lulinha. Daqui uns anos está "light" e já pode até ganhar a eleição...

5:59 AM  
Anonymous Anônimo said...

isso aí... bem lembrado.

ela deve ser mais uma aluna aplicada do cursinho "Transforme um Pretenso Socialista em Vermelinho (quase rosa!) Light", elaborado, entre outros, pelo Duda Mendonça... rs

por lá passaram, com louvor, José Dirceu, Lula e Genoíno.

mas tem de manter a cara de mau e o discurso indignado, né? se não a Veja perde as capas sensacionalistas... (tipo Stédile com cara de capeta!).

paro por aqui...

abraços

11:14 AM  
Anonymous Anônimo said...

I'm impressed with your site, very nice graphics!
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5:21 PM  
Blogger menna said...

سما
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10:28 AM  

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