segunda-feira, junho 26, 2006




kAto nigrA informa:

Na quarta-feira, 28/6, às 18h, acontece o lançamento do livro "História do Anarquismo no Brasil -- vol.I" (EdUFF/Mauad), na livraria EdUFF-Gragoatá (Rua Visconde do Rio Branco, s/n, Campus UFF Gragoatá, São Domingos, Niterói/RJ). A obra é uma coletânea dos textos apresentados no I Simpósio de História do Anarquismo no Brasil , realizado em 2003.

Esse será o primeiro lançamento, mais enxuto. O segundo, previsto para agosto, tem boa possibilidade de acontecer na Biblioteca Nacional, incluindo um seminário sobre o tema. Em breve mais detalhes.

Nota no CMI.

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terça-feira, junho 20, 2006


A beleza do barulho estava bem localizada ali pelos anos 90.

Já havia uma estrada, é verdade, trilhada há "tempos imemoriais"...

Ela começa com as esquisitices experimentais do Velvet Underground (o suave-rude num só movimento), a gutural distorção dos "proto-punks" (Stooges, MC5...), o ruído lisérgico de Hendrix (sagrado dissonante... [sagrado deus-sonante?]).

Barulho poético, melodias de moto-serra...

O ruído, a distorção, a microfonia aveludada, que ganham nos anos 80 a sua radical aplicação lírica: os escoceses do Jesus & Mary Chain em seu primeiro disco (de 1985... se não me faltam neurônios). Um rock-pop-água-com-açúcar que, de repente, se viu misturado com Baigon. Explode... Conta a lenda que os caras resolveram experimentar uns pedais japoneses e... "Just like honey".

Daí os 90's chegam e trazem sub-espécies como o "noise", o "guitar"... desdobramentos daqueles amplificadores estridentes dos 60's.

Sonic Youth, Yo la Tengo, My Blood Valentine, Pavement...

No Brasil, no Rio, duas bandas despontaram, ali pela primeira metade da década, nos porões do underground: PELVs e Second Come.

Aí vem aquela questão: um bando de caras-cariocas que resolvem cantar em outra língua (em vez de pegar um pandeiro, um berimbau, misturar com hip-hop e partir pra galera). Válido?

Acho que a qualidade justifica: Second Come/PELVs ("apesar da" e -- por que não? -- "justamente pela" produção podreira) soam tão bem ou melhor do que os congêneres gringos.

(Espaço pra todos...).

"Peter Greenaway’s Surf" (bela capa reproduzida aê encima... Virna Lisi [se não estiver enganado] de maiozinho listrado, na beira da praia, com olhar de c'mon baby), de 1993, foi o primeiro disco da PELVs. Gravado em três dias, num porta-estúdio de oito canais... Com tal produção poderia até ser punk, mas saiu uma tosca-trilha-rock-pop-surf-noise-praieira.

Belo fundo musical para melancólicas tardes de litoral (principalmente as baladinhas)... pensando nos olhos de alguém que se olha quando estamos de olhos fechados.

(Lou Reed faz escola...).

Quatro anos depois (1997) eles vêm com "Members to Sunna". Em 2001, "Peninsula", "o disco que você levaria para uma ilha deserta", de acordo com o release da banda. Mais bem produzidos, não menos bonitos.

Second Come teve vida bem mais breve (1990-94)... mas meteórica (leia-se: impactos que se sentem apenas nas profundezas do udigrudi... grãos de areia estrelar diante dos mais vendidos do mainstream).

Lembro que descolei o primeirão, "You!" (vinil, é lógico), num sebo -- acho que no mesmo dia em que fui comprar remédio para espinhas. Aborrecência elétrica.

Lá se vai mais de uma década... (quando ainda existiam guitarras).

No Second, mais do que na PELVs, rolava como nunca aquela dialética peso-suavidade, microfonia-melodia... Ora se tem a impressão de estar ouvindo Pixies, ora Sonic Youth, ora Jesus & Mary Chain...

Mas são os caras mesmo, com a particularidade de serem simulacros-originais.

Um dos poucos prazeres que sinto por viver na era dos computadores: poder ouvir de novo alguma amostra dessas udigrudezas de tempos distantes... para além do mofo das minhas velhas fitas K7.

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Tá bom... quem foi que falou (ou pensou): "Que cara dinossauro"???

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sexta-feira, junho 16, 2006



diA desses estava pensando na vocação autodestrutiva da esquerda -- escorpião de rabo longo que se envenena constantemente.

sinistrO... às vezes os opositores mais ferrenhos do socialismo estão dentro da própria tradição socialista.

eU lembrei de uma cena de "Terra e Liberdade", de Ken Loach, que trata da guerra civil na Espanha (1936-39).

certA hora do filme, anarquistas e comunistas trocam tiros numa rua. umA velha senhora espanhola, da sacada de sua casa, dispara o tiro que faltava -- um tiro na consciência -- algo como: "O que vocês estão fazendo? Parem de brigar! O inimigo é o fascismo!".

É sabido que grupos stalinistas ensebaram bastante a luta tanto de grupos anarquistas quanto de trotskistas. Franco agradeceu e instaurou sua ditadura logo a seguir.

nO Brasil do início do século XX -- mais precisamente a partir da década de 20, com a fundação do PCB -- comunistas e anarquistas batiam boca e chegavam às vias de fato (com agressões físicas e até atentados a tiros) na disputa pela hegemonia dentro do movimento operário. fundadoreS do PC (a maioria composta por ex-anarquistas como Astrojildo Pereira e Otávio Brandão) punham a cartilha vermelha de Moscou embaixo do braço e, literalmente, partiam para a porrada para cima dos ácratas. tinhaM um grupo que foi logo apelidado de "Tcheka", em alusão à polícia especial dos bolcheviques... criada para cuidar dos "desvios contra-revolucionários".

parA algum ex-anarquista desavisado, que levasse para dentro do partido alguns dos "cacoetes" libertários, não demoravam para dar de presente a expulsão dos quadros, acompanhada de execração pública. foI o caso do tipógrafo Antônio Bernardo Canellas, que sofreu o primeiro expurgo do PCB.

representandO o partido no IV Congresso da Internacional Comunista em Moscou (1922), Canellas "ousou" discordar de Trotsky e votar contra alguns projetos de interesse dos bolcheviques. A jornalista Iza Salles recupera essa história no seu livro: "Um Cadáver ao Sol - A história do operário que desafiou Moscou e o PCB" (Ediouro, 2005).

Iza reproduz um trecho do documento "O processo de um traidor", redigido pelo PCB, que dá o tom exato do clima autofágico no interior das esquerdas:

"É necessário dissecar este cadáver. É preciso desnudá-lo, rasgar-lhe o couro mau, desfibrar-lhe as carnes ruins, pôr-lhes as vísceras ao sol, espremer-lhe o fígado esgorgitado de torpeza. Temos o punho rijo e o ferro é de qualidade."

acusadO de traidor e expulso tanto do partido quanto da Internacional, Canellas não deixaria de responder aos dirigentes do partido:

"Vocês querem me matar como homem e como revolucionário, mas eu estou muito jovem para morrer".

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domingo, junho 11, 2006


nos olhos de Valentina, nos lábios de Valentina, no corpo de Valentina.

...febre.

fervor de olhos-leitores que se perdem e se acham nos traços finos de uma musa.

ela já nasce mulher em 1965, da costela de Guido Crepax (1933-2003), arquiteto, desenhista de publicidade, ilustrador de capas de discos de jazz (como os de Charlie Parker).

Valentina mulher dos anos 60: bela, independente, sensual e explosiva.

suas histórias unem erotismo, aventura, espionagem, ficção científica, psicodelia, delírios oníricos.

na primeira vez que li uma HQ de Crepax (justamente uma história de Valentina), me veio à mente um filme no papel, com uma frenética edição de imagens - no caso, a diagramação desconcertante do artista italiano.
seus quadrinhos são fulminantes figuras geométricas recortando cenas, detalhes, corpos, guiando nossos olhos como uma vertiginosa câmera cinematográfica.

Valentina surge como uma personagem menor: apenas a namorada do crítico de arte Philip Rembrandt, alter ego do super-herói Neutron, protagonista da série publicada por Crepax, em 1963, na revista Linus. logo logo viraria o personagem símbolo do quadrinista.

seu visual foi inspirado em Louise Brooks, atriz de cinema mudo do início do século XX.

mas outras pin-ups sairiam da pena de Crepax. Anita, por exemplo, confirma a ligação cinema-quadrinhos: foi inspirada em Anita Ekberg, de "La dolce vita", de Fellini. havia ainda Bianca e Francesca.

não só cinema, também literatura. Crepax adaptou alguns clássicos como "História de O", "Emanuelle", "Justine" (do Marquês de Sade), "Frankstein" (de Mary Shelley)...

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sexta-feira, junho 09, 2006



1.

É curioso notar a ouriçada reação veiculada na mídia corporativa diante dos “excessos” dos movimentos sociais.

Entre os comentários e críticas, desfilam frases e conceitos esvaziados de qualquer contextualização.

“Inadmissíveis ataques ao patrimônio público”, “invasões”, “vandalismo”, “quebra das regras democráticas”...

Não conheço bem o grupo que tocou o terror no congresso recentemente. O histórico de alguns integrantes, de acordo com o que foi publicado nos jornais, sugere a velha paranóia pela vanguarda da esquerda de inspiração leninista.

A ligação de um dos caras com o PT e o recebimento de grana do governo já dão pistas de que pode ser arriscado depositar credibilidade nesse movimento.

Mas não me interessa falar aqui do grupo. (Pode ser que muita gente boa esteja lá dentro... dividindo espaço com oportunistas, "líderes iluminados" e congêneres).


Na verdade quero chamar a atenção para a grita dos arautos da democracia liberal diante da iconoclastia de seus sagrados totens, não só nesse caso particular, mas em diversos outros.


2.

Os grandes jornais vomitam editoriais e entrevistam os especialistas “certos”, das universidades “certas”. Fontes viciadas.

Quando, por exemplo, os sem-teto invadem algum prédio abandonado há anos, sem uso social, logo o Estado e seus xamãs (políticos, advogados, jornalistas, sociólogos, historiadores, cientistas políticos...) rebolam freneticamente e clamam pela ação dos seus leões-de-chácara.

Em novembro de 2005, um grupo de sem-teto ocupou um prédio do INSS no centro do Rio, há anos abandonado. A Ocupação Quilombo das Guerreiras, como foi batizada, atraiu o circo de “agentes da polícia Federal, Judiciária, Militar e da inteligência da Polícia Civil, o CORE” (ver Protesta!, n.3, abril/2006).

Incrível aparato repressor para deter os “perigosíssimos” elementos... que incluíam mulheres, idosos e crianças.

Paralelamente, corria uma briga judicial.

Um juiz concede “interdito proibitório”, determinando a retirada dos leões-de-chácara do Estado – o que não teria sido aceito pelos representantes da “justiça”.

Mais tarde, outra liminar a favor dos ocupantes é ignorada.

“Alguns apoios externos são agredidos e recebem ordem de prisão, o advogado é agredido por um delegado da Polícia Federal, conduzido de forma criminosa e algemado [...]”.

Enquanto isso, a “justiça” concedia reintegração de posse do prédio à... “Justiça” Federal.


3.

O dono da bola sempre decide as regras. Desde que Cabral por cá meteu as botas.

E a propriedade é a bola da vez. Sempre foi o bibelô querido da burguesia liberal, desde a montagem do Estado-Nação moderno.

Liberdade, Igualdade e Fraternidade? Claro... palavras bonitas para enfeitar os textos liberais.

Quando agora quebraram o congresso, disseram os bons filhos das elites: “crime ao patrimônio público”.

Mas o que há de realmente público no congresso? Ele é aberto à participação de todos? Se eu for diretamente afetado por uma lei, posso ocupar uma de suas cadeiras e proclamar meu voto?

Ele é realmente do povo ou, na verdade, se estruturou como uma redoma bem arquitetada para que classes privilegiadas exerçam o jogo político com o mínimo de interferência possível?

Quando jogaram a pedra nos caros vidros do congresso não senti que depredavam um patrimônio meu (embora parte de meu dinheiro estivesse lá aplicada... a outra parte desviada para o bolso de algum parlamentar).


4.

O “Estado de direito” é o santinho no altar. A participação política deve-se operar nos “canais legais”. A polícia deve ser avisada quando houver manifestação de rua (!).

É engraçado como não tiveram a mínima preocupação quando puseram abaixo as casas da ocupação Sonho Real, em Goiás, tempos atrás. Ou em poupar vidas nos genocídios de militantes sem-terra. Ou quando, lá no início do século XX, o bota-abaixo de Pereira Passos expulsou a população pobre do centro do Rio, gerando um contingente de sem-lares que ainda hoje sub-habitam os morros e subúrbios.

O Estado decide o que é “liberdade”, o que é “democrático”, o que vale ser preservado, onde será o espaço da “política”.


5.

A ação extraparlamentar, como força constante de ameaça, sempre fez tremer os arquitetos da atual ordem. Leis são arrancadas ou banidas pela força das ruas.

Exemplos recentes: a questão da lei do primeiro emprego em Paris, o movimento pelo passe-livre em Florianópolis, a Outra Campanha dos zapatistas.

A mídia continuará a mistificação: vai chamá-los de “não civilizados”, “radicais”, “terroristas”, “atrasados”, “foras de moda”.

Mas os incômodos ratos da periferia roem a roupa do rei. Não há como esconder a verdade por tanto tempo. Ela flui pelos subterrâneos. Ela encontra eco na insatisfação popular contra partidos e políticos tradicionais.

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quarta-feira, junho 07, 2006


kato nigra é gato negro em esperanto.

o nome me surge das imagens, da iconografia.

para os sindicalistas da IWW (Industrial Workers of the World), representava a sabotagem, a ação direta dos trabalhadores contra o capital.

o negro gato, na espreita da esquina, cruzando rápido o caminho.

a imagem é forte: junta a esfinge ao chat noir da desobediência civil.

a força do povo unido, fodendo as engrenagens do sistema, se afigurando monumental para o capitalista amedrontado. "como você parace tão pequeno para mim, senhor explorador" - diz o negro gato-esfinge.

é característica das contraculturas a contra-utilização dos signos da cultura oficial. se o gato preto é agouro e má sorte para a simbologia ocidental-cristã, vira vigoroso símbolo de rebeldia nas mãos dos artistas-operários.

e se o preto é luto e morte para muitos, se re-significa em nova esperança de vida ao tingir a bandeira libertária. a bandeira que representa o internacionalismo: nenhuma cor de nenhum estado-nação.

o negro do sem pátria, do sem patrão... do sem fronteira.

internacionalismo que também estava na base de criação do esperanto.

preto que se renova, seja com os black blocs, seja com o sub Marcos.

long live black cats!

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domingo, junho 04, 2006

então abro os olhos todos os dias e observo as coisas, respiro o ar profundamente. abro os jornais da burguesia, acesso os sites da contra-informação, leio os panfletos dos movimentos sociais. no ar um aroma inconfundível de sentimentos plasmados, perplexidades entre os dentes, incertezas e angústias típicas do mundo moderno. a hipnose da velocidade de mãos dadas com a devastação sócio-ecológica do capitalismo tardio.
e os discursos dos arautos do estabelecido é cada dia mais canastrão, cada dia mais conscientemente cínico. os bispos e papas do mercado adocicam-se com termos falsos, emprenhando a barriga da falsa consciência coletiva. espalham sua “democracia” como um câncer imperialista mal disfarçado. as justificativas para o “uso da força em defesa da liberdade” são patéticas.
e a grande mídia não perfura nada, não mostra estrutura de nada, não busca causas em nada. remexem a mistificação, a alienação, e jogam goela abaixo. a história é devidamente matada, com auxílio de teorias fashion dos filósofos pós-modernos. a ciência continua servindo ao poder. o pensamento crítico é sufocado.
mas há brechas, ainda que mínimas. o aparato da indústria cultural é extremamente hábil na seleção, diluição, distorção de movimentos e idéias contrárias. todos se expressam, mas as massificações, os monopólios de mídia ou as mistificações do jornalismo hegemônico erguem-se como um muro alto, cheio de vidros e arames farpados. e se as idéias/movimentos começam a ganhar força, maior notoriedade, os leões-de-chácara do estado – polícia, forças armadas – não fazem cerimônia em usar a repressão.
o fluxo de contra-informação, de discursos desmistificadores, de pensamento critico não pode cessar diante da torrente caudalosa do sistema de informações dos grupos hegemônicos. rachaduras no próprio meio – como a internet – devem ser constantemente esgarçadas. fluxo que deve ser acompanhado por práticas, ações diretas, protestos, pressões, desobediências civis... vida que pulsa.

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